Crônica
Profª Pedagoga - Marina Niceia
As bem-amadas, rainhas do lar
Crônica
Profª Pedagoga - Marina Niceia
Cunha
Colégio
Estadual de Marmeleiro-Ensino Fundamental e Médio
Ao sairmos da sala onde houve discussão sobre o gerenciamento da família e,
consequentemente, dos filhos, percebeu-se que a tarefa ainda é árdua para
muitas mulheres, apesar de estarmos no século XXI.
Postamo-nos incrédulas, sobre o comentário de uma delas do quanto se sentia em
dificuldade para equilibrar o trabalho que exercia fora do lar e seus “deveres
de dona de casa”. Marido e filhos não lhes davam descanso. Nada de colaboração
no lar: porque homens não podem fazer nenhuma tarefa doméstica. “Isto é coisa
de mulher”, de acordo com o marido e concepção repassada aos filhos
automaticamente.
Segundo a Psicóloga Lígia Guerra “muitas vezes a própria mulher colabora para
este conceito, pois faz distinção em casa entre as tarefas dos meninos e das
meninas”. Meninas ajudam a lavar a louça, limpar a casa, etc. Meninos ficam na
sala com o pai vendo televisão ou jogando vídeo game.
Dias atrás um aluno me falou: “lá em casa, minhas irmãs são da mãe; eu e meus
irmãos somos do pai. - É assim pedagoga, vamos “co” pai ao futebol e pescar. A
mãe vai passear “co as” meninas no shopping e fazer as unhas. Suspirei. E
empreendi uma conversa X. Outro me disse: “Minha mãe não trabalha”. Como assim,
interpelei. – “Ela cuida da casa e faz comida”. Mais um: - “Minha mãe, não faz
nada”. Só dorme no sofá. “Nós temos que fazer o serviço”. – Verdade? Explique-me:
- “Tenho um irmão que”... bem, a mãe não consegue dormir à noite pra cuidar
dele”.
Atualmente ainda perduram “as rainhas do lar”, expressão que surgiu durante o
século XVII entre a burguesia. Resgatei-a desses velhos tempos em que a
mãe era submissa ao marido e nem tinha direito de amamentar os filhos porque
existiam as amas de leite, geralmente, negras. As escravas negras
dividiam obrigatoriamente o leite com o filho da sinhazinha. Primeiro deviam
amamentar o filho da Casa Grande, depois o seu. Enquanto isso, a sinhazinha
mãe, mal via o filho. Bastava para algumas mulheres desse tempo enfeitar os
salões de festas na companhia do ” senhor seu marido”. É claro que muitas no
decorrer da história se rebelaram.
Nessa retrospectiva trouxe a história da
mulher-mãe para o tempo em que a família é a “célula da sociedade”, conceito
empregado nos livros de Educação Moral e Cívica, 1969, em pleno regime militar.
(Em 1970, disciplina obrigatória nas 5ªs e 6ªs séries do Curso Ginasial).
A mãe, batalhadora por seus direitos no mercado de trabalho, mas, tímida e,
ainda, submissa, porém responsável de educar e ensinar os filhos -
encontrava-se encarcerada -, embora já se estivessem “queimados os sutiãs em
praça pública”, e a pílula surgira milagrosamente como sinônimo de liberação
sexual e controle da natalidade. Mais a onda do feminismo(movimento social,
filosófico e político) que pregava a libertação da mulher de padrões opressores
baseados em normas de gênero causou grande impacto e mudanças na sociedade da
época refletindo-se, inclusive, nos dias de hoje.
Nesse desenrolar, o pai, historicamente,
figura austera, cujo papel era impor sua vontade, e por ordem no lar,
paralisou-se por alguns tempos, isto é, descaracterizou-se, frente a essa nova
realidade aos moldes femininos, cuja primeira onda teria ocorrido no século XIX
e início do século XX, a segunda nas décadas de 1960 e 1970 e a terceira da
década de 1990 até a atualidade. (Wikipédia. A enciclopédia livre).
Após as reflexões históricas já conhecidas, volto à personagem submissa e sem
nexo de como conduzir a família para que a respeitassem, que me fez escrever
esta crônica, e as mulheres presentes naquele espaço de discussão que se
voltaram imediatamente ao “pobre” marido, desconsiderando-o devido suas
atitudes machistas, o qual passou a ser acusado de vários adjetivos que é
melhor não citá-los. Mas, segundo, ainda, Lígia Guerra, há homens que se
submetem à esposa, tornando-se nulos e explorados pela mesma a ponto dos papéis
se inverterem. O homem deixa inclusive de
ter profissão para fazer o papel de “dono de casa”. Isto se deve, às vezes, a
forma como foi educado pela genitora e também como agia na família o pai. Observam-se,
então, no século XXI, reflexo de outros tempos no papel masculino como marido e
pai: ora ele é machista, ora é “pobre coitado”, sem vontade própria, na análise
feminina, conforme se percebe nas colocações citadas neste texto.
Enfim, a coisa cheia de graça
realmente aconteceu quando após a fatídica reunião, que gerou essa análise,
surgiu a partir do momento que, cada uma compara o próprio marido com o da
outra em relação, ao esposo da minha personagem. Maridos mais ou menos
maravilhosos devido a este ou aquele desempenho doméstico, eram enumerados. E
consideraram-se as bem-amadas, profissionalizadas comparando-se a mulher que se
lamentou. Os risos se sucederam... (Melhor mesmo levar na
brincadeira, embora saibamos que a questão é séria).
Imagine leitor, eu, solteira, no meio de
tantos risos e agraciamento das bem-
casadas aos maridos. Sorriso a meia boca,
ria não sei de quê. Na verdade uma anônima ali,
circunstancialmente. Meio sem graça, deixei de lado meu silêncio e disse-lhes:
- Meu pai quando nasci dispensou “a
comadre” que vinha dar banho em mim. Tradição esta mantida após o parto(em
casa). Uma senhora de idade banhava diariamente a criança até a mãe se
recuperar. Geralmente era convidada depois para ser madrinha, ou, então, a
parteira.
- “Eu mesmo banho minha filha”... E
tomou conta da casa, da mulher e da filha, isto, em 1952.
Saí de fininho da sala, porque todas se
divertiam com seus próprios comentários sobre os cônjuges, as rainhas do lar,
as bem-amadas, resolvidas. Quem iria dar atenção às colocações de uma
mulher solteira - por opção - sobre as qualidades de um homem – meu pai, além
do seu tempo?
Publicada no Jornal de Beltrão,
18 de maio 2014.